Darwin e a evolução das espécies.
O ano começou com Leonardo da Vinci e com os corpos humanos plastificados; agora, quem chega à cidade é Charles Darwin (1809-1882), idealizador da Teoria da Evolução, confirmando a tradição da megalópole de abrigar grandiosas exposições científicas. Essa última, que retrata a vida e o pensamento revolucionário do naturalista inglês sobre a evolução das espécies, foi aberta ao público pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 04 de maio, onde ficará até 15 de julho. Mais do que proporcionar uma opção de lazer e atividade lúdica aos paulistanos, exposições como essa acabam reacendendo discussões preciosas para a ciência e contribuem para “atrair os jovens para o mundo do conhecimento e da pesquisa”, segundo a professora de pós-graduação em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Elice Prestes. Para a educadora, embora a vida atual ofereça uma série de recursos para os jovens conhecerem e travarem contato com a ciência, como revistas especializadas e internet, nada substitui a experiência concreta e o fato de poder presenciar de perto as obras, invenções e as idéias de um cientista importante.
A exposição sobre Darwin, embora possa ser definida como mais tradicional que lúdica, não deixa de proporcionar os atrativos citados por Maria Elice. Dividida em oito ambientes, o evento retrata o mundo antes de Darwin, a trajetória do jovem cientista, a viagem dele ao redor do mundo, a idéia da evolução das espécies, a obra final, o conceito de evolução no mundo contemporâneo, além de abrir espaço para outras discussões e atrações. Tudo isso para que os visitantes entrem em contato, relembrem e conheçam a fundo e da maneira mais precisa possível o que é a Teoria da Evolução, uma idéia que – simplesmente – mudou a maneira de encarar a natureza e o papel do homem no mundo.
Teoria revolucionária E por que essa teoria foi assim tão revolucionária? “Porque ele foi unificador, teve uma visão única, que permitiu entender a posição de cada espécie no todo do mundo. Das amebas aos seres humanos e dos fungos aos baobás, todos podem ser explicados e encontrar seu lugar a partir da teoria de Charles Darwin”, explica a professora Maria Elice. Darwin foi o responsável pelo conceito de seleção natural, um movimento da natureza que seleciona apenas os indivíduos aptos para viver em determinado lugar. Ou seja, características singulares e específicas dão vantagens de sobrevivência para todas as espécies de seres vivos existentes na Terra. Somada essa idéia – aqui explicada de forma bem simples e didática – aos conceitos mais recentes da genética, tem-se o que se chama de Teoria Sintética da Evolução. Ou, em outras palavras, a explicação biológica sobre porque as espécies permanecem existindo, ou são extintas. E isso dá à Biologia um paradigma bem amplo e, melhor, universal, para entender a natureza.
“É difícil encontrar um biólogo que, hoje, não veja o mundo através dos olhos da Teoria da Evolução. E isso mesmo já tendo passado quase mais de um século desde o início dos trabalhos do Darwin”, conta a professora da PUC-SP. Agora, se entre os biólogos e os cientistas naturais a Teoria da Evolução já é amplamente aceita e encontra pouca resistência, essa tese muitas vezes ainda é de difícil compreensão para parcela significativa da população. O problema é que a maioria das pessoas, incluindo professores e estudantes, até conhecem o trabalho de Darwin, a seleção natural e a evolução das espécies, “mas ou conhece superficialmente, ou de forma equivocada”, lamenta Maria Elice. Traduzindo as palavras da professora, onde se lê “de maneira equivocada”, deve se ler: de maneira preconceituosa e cheia de ruídos. Ou seja, para ela, muita gente ainda acha estranho ou desagradável descender de macacos e por isso passa a desconfiar, ou a não aceitar a Teoria da Evolução. “Quando a teoria não é explicada direito e a fundo, fica mesmo essa sensação de que estão chamando meu avô de macaco – e, ora, ele não era um macaco!”, comenta, já apontando a solução: “Quando se ensina a Teoria Sintética da Evolução tem que se explicar corretamente os conceitos. A verdade é que homens e macacos tinham um ancestral comum, que embora, até parecesse um macaco, não era. Era um primata”.
Rejeição à Teoria Para a especialista, o grande risco de não ensinar a teoria nascida com Darwin corretamente é que conceitos dúbios favorecem o crescimento de correntes como o Criacionismo, uma tendência que propõe que não se ensine a Teoria da Evolução nas escolas, mas sim a versão bíblica para o surgimento de plantas e animais. “Cada vez que aquela figura do macaco ficando de pé e virando homem é mostrada sem uma legenda apropriada, isso fortalece a rejeição à Teoria. Essa postura é histórica, surgiu na mesma época do lançamento do livro do Darwin”. Maria Elice procura recusar os fundamentalismos e não defende que a visão criacionista seja eliminada das escolas, desde que a Evolução seja ensinada corretamente, para que as idéias possam ser confrontadas e depuradas.
Se houve um tempo em que as teses criacionistas eram uma referência essencialmente limitada aos Estados Unidos, esse cenário parece já ter se ampliado. No Rio de Janeiro, no ano passado, houve uma forte discussão sobre a inclusão do criacionismo como disciplina obrigatória nas escolas púbicas. A idéia partiu do governo estadual. Também outras teorias, como a de Lamarck – biólogo francês que viveu entre 1744 e 1829 e que sugeria que o que não é usado é eliminado e, por isso, as espécies iam se modificando – continuam causando ruído na Teoria da Evolução. Por isso exposições como Darwin são importantes, para chamar a atenção e conhecer mais profundamente o assunto.
E quem acha que as idéias darwinianas se resumem à biologia está enganado. Quando Darwin colocou o ser humano como uma espécie exatamente igual às outras em termos de lugar que ocupa na natureza, acabou por tabela criando um mal estar filosófico. Maria Elice conta que antes da Teoria da Evolução, o homem era tido como uma espécie isolada, que tinha sido colocado na natureza pelas mãos da divindade, sem relação com as outras espécies. “Entender-se como membro igualitário dessa comunidade chamada natureza foi um choque.
É bom lembrar que, junto com esse choque, o final do século XIX – período em que foi publicado o livro “A origem das Espécies”, obra-prima de Darwin – ainda trouxe outros dois. “O inconsciente, proposto por Sigmund Freud, que revelaria um traço animalesco e incontrolável em cada homem, e as idéias de Karl Marx, que afirma que os homens exploram seus iguais”, conta a professora da PUC-SP. Mas, se tudo isso deu uma sensação de pequeneza ao homem, também abriu a possibilidade de se pensar numa ciência que estude e acolha todas as espécies e as interações entre elas. Maria Elice explica que a Ecologia é a principal herdeira de todo esse processo. “Porque se o homem é igual às outras espécies, então cabe a ele cuidar, proteger e não se sobrepor a elas”, completa.
“O que emerge de mais importante disso tudo”, completa a educadora “é que fica evidente como as pessoas desconhecem a ciência, e como as pessoas podem ser tocadas em suas vidas pela ciência. E que, por isso mesmo, é preciso debater, deixar as teorias contraditórias ou complementares serem conhecidas do grande público. Deixar que isso intrigue e encante os homens”. Porque, afinal, o que nos diferencia dos outros animais é que somos dotados – dentre outros pequenos detalhes – da racionalidade, do pensamento e da sensibilidade.
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